Saí em companhia de Andrea (italiano) e Judith (australiana), por volta das 06h30min da manhã, e ainda estava escuro e frio. Como de costume coloquei várias blusas e depois de uns 3 km já estava com calor. Parei para tirar um pouco de roupa e segui em frente. Depois de alguns minutos… pausa para fotos… Judith tirou sua máquina e eu fui fazer o mesmo, quando percebi que minha máquina havia caído! Podia perder tudo, menos isso!!!. Como faria o Caminho de Santiago sem poder registrar tudo? Larguei minha mochila na beira do caminho, vi Andrea e Judith seguirem com seus passos acelerados e sem falar nada comecei a voltar, olhando para o chão na esperança desesperada de encontrar minha máquina. Passei pelo ponto onde havia caído a minha máquina e nada!
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Pausa para tirar blusa |
Andei mais um pouco e encontrei Frank (um alemão que eu havia conhecido no dia anterior, que tinha apenas um braço inteiro e o outro até a altura do cotovelo), olhei para ele e soltei um “I lost my câmera” (meu inglês era péssimo).
Comecei a caminhar de volta ao lado dele já sem esperanças e confesso que muito triste, quando num gesto inesperado Frank colocou a mão no bolso e estendeu sua máquina em minha direção dizendo: “É sua!” Claro que eu não podia aceitar, ele insistiu, mas eu não aceitei, mas aquele ato, vindo de um alemão, mexeu comigo, inclusive com meus preconceitos (eu tinha a ideia ridícula que alemães eram todos frios). Frank parou, olhou em meus olhos e disse que no Caminho precisamos perder algumas coisas para encontrar outras, depois apertou os passos e sumiu na minha frente. Eu continuei só e com a frase do alemão na minha cabeça! Aquelas palavras tocaram minha alma, eu tinha tanto que precisava ser perdido, e outro tanto a ser encontrado... Aquilo havia tocado fundo…
Passei pelos 40 moinhos que fornecem energia eólica para Pamplona, majestosos, reinando sobre as montanhas… Aquilo me lembrava as historias contadas por minha avó, sobre os gigantes das montanhas. Senti-me como Dom Quixote, pronta a travar uma batalha contra os Moinhos de Vento, mas meus moinhos eram reais e o vento meu amigo...
Subi o monte Del Perdon e lá no topo me deparei com o monumento aos peregrinos, feito de ferro e li a inscrição: “onde se cruza o caminho dos ventos com o das estrelas”, senti um nó na garganta, estava só, por instantes pensei ter ouvido as batidas aceleradas do meu coração, me senti livre como um pássaro que foge da gaiola e ganha o mundo diante dos olhos! As lágrimas começaram a rolar, era a felicidade transbordando os limites do corpo! As lagrimas precisavam ganhar a liberdade também, eu não podia mais aprisionar aquela emoção contida dentro de mim.
Onde se cruza o caminho dos ventos com o das estrelas |
Andei por uns 5 km num choro compulsivo e sem ninguém para abraçar, entendi que aquele era um momento só meu! Eu me bastava naquele momento.
Depois encontrei novamente meus amigos. Judith ficou em Puente de La Reina e eu, junto com Frank e Andrea seguimos para Cirauqui.
A noite foi muito gostosa, tomamos algumas cervejas, comi um delicioso menu del peregrino e conheci Heiko, outro alemão que passaria a fazer parte do meu caminho e que hoje está a trabalho no Afeganistão (se cuida meu amigo).
Era mais uma vez a reunião de velhos novos amigos, eu olhava para eles e pensava “desculpe meu amigo, não posso escutar o que você fala, porque o que você é grita!”. Palavras eram presentes, numa salada mista de idiomas, mas as palavras eram dispensáveis, porque nos entendíamos com gestos e olhares.
Amigos da Nova Zelandia, Holanda, Italia e Alemanha |
Como já te disse essa história da máquina me causou arrepios... Ótimo capítulo! Vc se supera...
ResponderExcluirBjs Luizitto
Este dia e inesquecível para mim.
ResponderExcluirComecei caminar em Pamplona das 6h:00min da manha. Cuando chegei em Cirauqui estive muito cansado e quis dormir.
Mas na albergue linda estiveram peregrinos da Espanha, da Itália, da Hollanda, da Nova Zelandia, do Brasil e da Alemanha.
Jantamos junto numa mesa grande e brincamos todo o tempo. Que legal!
Aquela noite conheci muitos amigos novos.
Mas dois de lhes estao agora um parte importante da minha vida.
Laila e Frank muito obrigado para o tempo maravilhoso e para sua amizade.
Hoje trilhamos otros caminos nos otros países.
Mas sei que vamos caminar junto de novo.
"Only 20 minutes to go!"
Bjs Heiko
nossa que história heim...!!!
ResponderExcluirLindo momento Laila.
ResponderExcluirLucelio
essa sensação de libertar até as lágrimas é a forma mais plena de ser tocado de fato pela força que a natureza emana!
ResponderExcluirsei como é.....
me emocionei com a frase do alemao para vc: no Caminho precisamos perder algumas coisas para encontrar outras, e com o gesto dele.
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